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e o que pensamos ser a mesma coisa, só porque tem o mesmo nome, na realidade é algo em fluxo contínuo de mudança.

Compartilho o meu olhar...o meu olhar mutante.

janeiro 06, 2008

somos consumidores ou somos consumidos?????????



Pesticidas nos Alimentos

Dr. Imar Crisógno Fernandes, médico naturalista

Nos últimos anos, deparamo-nos com um vertiginoso crescimento do volume de agrotóxico comercializado no Brasil, tornando-nos um dos maiores consumidores de agrotóxicos em todo o mundo, correspondendo a um faturamento anual na casa de bilhões de reais. A continuar assim, teremos, em breve, condições de liderar esse fabuloso mercado. Tal situação traz como conseqüência, óbvia e direta, o aumento, inaceitável, dos riscos de contaminação de produtos da agropecuária com resíduos químicos prejudiciais à saúde.

O crescente emprego de agrotóxicos no Brasil, em moldes irracionais e completamente fora de controle, prende-se a diversos fatores, de complexa natureza. Passa pela expansão da fronteira agrícola e pela intensificação, via manejo, do desequilíbrio biológico do agroecossistema, até fenômenos de ordem sócio-econômica ligados ao êxodo rural e ao resultante incremento do cultivo químico com herbicidas.

À contínua diversificação dos fitoparasitas, soma-se a ocorrência, cada vez maior, de “picos” populacionais extremamente elevados e a generalizada detecção de resistência genética a agroquímicos, no que também se incluem as chamadas ervas invasoras. Nesse contexto, surgem a todo momento, recomendações de doses mais altas, de redução do período de tempo entre aplicações consecutivas e, mais importante talvez, de emprego simultâneo de diferentes agrotóxicos, objetivando complementar ações específicas ou alcançar efeitos sinérgicos (as já famosas "misturas de tanque").

Por outro lado, a incessante procura pela máxima produtividade, seja através do melhoramento genético, seja pelo próprio manejo das culturas, influencia, em muitas instâncias, a suscetibilidade das plantas cultivadas, relativamente ao ataque de pragas e agentes de doenças infecciosas. É hoje amplamente aceita a teoria de que o desequilíbrio nutricional, pelo uso massivo de adubos minerais de alta solubilidade, e a própria ação dos agrotóxicos aplicados à lavoura, provocam distúrbios fisiológicos capazes de alterar a composição dos tecidos vegetais, tornando-os mais facilmente colonizáveis por uma gama de fitoparasitas. Estabelece-se aí, também para o reino vegetal, o conceito de doenças iatrogênicas, ditadas pelos maléficos efeitos colaterais dos agroquímicos. Ainda o melhoramento vegetal, não obstante haver contribuído marcantemente para incrementar o potencial produtivo da maioria das espécies cultivadas, intensificou, sobremaneira, o grau de vulnerabilidade, na medida em que induziu ao estreitamento da base genética em monocultivos, que chegam, não poucas vezes, ao nível da exclusividade varietal.

Além de difícil de compreender, é decepcionante constatar-se a escassez de dados epidemiológicos na literatura nacional, capazes de orientar o controle químico aos fitoparasitas, a ponto de torná-lo, pelo menos, tecnicamente aceitável. Em número assaz insuficiente, são os trabalhos até agora divulgados no Brasil a respeito de aspectos básicos da fitossanidade, envolvendo sazonalidade e fluxos populacionais, sobrevivência e disseminação, monitoramento e limiar de danos, condições meteorológicas predisponentes, previsões e “estações de aviso”.

Em contrapartida, modelos epidemiológicos têm sido tentativamente elaborados através de simulações (“epidemiologia virtual”), sem que, muitas das vezes, os resultados sejam adequadamente comprovados no campo, de modo a constituir bases mais seguras para a racionalização do controle químico.

Em adendo, evidencia-se o expressivo respaldo oferecido por determinadas instituições da rede pública de ensino e pesquisa na agropecuária, por meio da constante publicação de dados experimentais sobre a eficácia de pesticidas, sem a mínima preocupação de correlacioná-la com possíveis riscos de contaminação de alimentos e/ou de poluição ambiental. Os fabricantes e distribuidores de agrotóxicos, mais que depressa, se apropriam desses dados, que passam a ser referenciados em sua agressiva e eficiente promoção.

Não podemos deixar de incluir, como parte desse respaldo à indústria, a despreocupação característica de certas sociedades científicas, ligadas às ciências agrárias, que reúnem a elite dos doutores especialistas, mas que sequer se pronunciam acerca dos seríssimos problemas gerados pela indiscriminada e abusiva utilização de agrotóxicos no país, além de sistematicamente recorrerem a multinacionais da química fina para o patrocínio de congressos e publicações, chegando ao extremo de veicular propaganda de venenos em anais e periódicos oficiais (Ribeiro, 2001).

Por fim, de não menos relevância nessa problemática, a quase absoluta omissão do poder constituído (Federal e Estadual) no que concerne à aplicação e ao cumprimento da Lei nº 7.802, de 11 de julho de 1989 (Lei dos Agrotóxicos, promulgada em 1990) e do próprio Receituário Agronômico, oficialmente instituído desde 1981. Tais instrumentos, se viabilizados, teriam certamente um importantíssimo papel na contenção dos descalabros ora verificados.

Responsabilize-se ainda os governos eleitos pelo descaso no que tange à implantação e desenvolvimento de laboratórios de referência, assim como à capacitação de pessoal técnico, imprescindíveis para atender a atual demanda quanto ao fornecimento de laudos sobre análises de resíduos tóxicos em amostras de produtos da agricultura. Leve-se em conta, a esse respeito, a necessidade de um contingente de especialistas, trabalhando com modernos equipamentos de precisão, em número suficiente para lidar com os cerca de 500 distintos princípios ativos, aplicados em escala na agricultura nacional e potenciais contaminantes dentre mais de 10.000 itens alimentares comumente requisitados pela população.

Estudos desenvolvidos por cientistas do sul do país levantam a suspeita do uso dos organofosforados, comprovadamente capazes de provocar alterações no sistema nervoso central, irritabilidade e depressão, estarem associados ao elevado índice de suicídios na região fumageira do Rio Grande do Sul (Falk et coll, 1996). Este mesmo produto está sendo usado em larga escala em lavouras de hortaliças de todo país, o que é proibido, conforme portaria do Ministério da Agricultura. Igualmente registramos que um outro agrotóxico, o gramoxone, ou paraquat, que por lei é liberado apenas para “uso aplicado”, isto é, pela empresa fabricante, é livremente adquirido nas revendas agropecuárias e utilizado pelo agricultor.

O uso de agrotóxicos na lavoura é feito pelo agricultor que, per si, desconhece o nível de veneno com que está lidando. Aplica-o sem proteção, uma vez que as vestimentas projetadas são (e serão) sempre inadequadas; não obedece a prazos de carência; foi estimulado pela extensão rural e fabricantes a tratar os venenos por “remédios” ou “defensivos agrícolas”. Costumeiramente os aplicadores de agrotóxicos recebem na pele o veneno responsável por uma série de males que se manifestam geralmente de forma lenta e gradual, não permitindo na maioria das vezes a associação do mal à absorção do agrotóxico.

Homens, mulheres e crianças estão sujeitas à exposição de agrotóxicos. As mulheres, devido ao efeito teratogênico (má formação genética) de alguns dos produtos liberados (como o caso dos organofosforados), estão tendo abortos ou gerando filhos defeituosos. As crianças, que tradicionalmente fazem parte da força de trabalho familiar rural, estão sujeitas a danos irreversíveis em sua formação física e mental.

Preocupa-nos sobremodo as chamadas Resoluções do Mercosul pelas quais o governo brasileiro aceitou a ampliação dos limites mínimos de resíduos tóxicos (LMRs) nos alimentos in natura importados dos países membros do Mercosul. Muito mais grave é que estes novos limites passam a ser tolerados pelo Brasil, ao arrepio da Lei e da saúde dos consumidores. Ainda recentemente o Governo, através do Ministério da Agricultura, voltou atrás em sua decisão de impedir a entrada no Brasil de batatas argentinas contaminadas por um anti-brotante de uso proibido, o IPC; devido a pressões do país vizinho, o Maara editou portaria que anula a anterior, liberando a entrada do produto.

A legislação que trata do assunto, a Lei 7.802/89 e o Decreto 98.816/90 que a regulamenta, tem sido inócua. O Estado não tem demonstrado forças para fazer cumprir a lei, deixando o consumidor, o trabalhador e a sociedade de um modo geral, à mercê de abusos de todo gênero. Estes fatos demonstram, de per si, que o uso de produtos agrotóxicos na agricultura brasileira se dá praticamente sem controle algum e sem políticas bem definidas.

Os riscos da presença de resíduos tóxicos em níveis não toleráveis são hoje incontestáveis. Nos EUA, a Agência de Proteção Ambiental (EPA), junto com o Departamento de Agricultura (USDA) e com a Administração de Alimentos e Drogas (FDA), publica e distribui gratuitamente à população, em todos os supermercados, um folheto anualmente revisado e intitulado Pesticidas nos Alimentos, instruindo e esclarecendo os consumidores sobre esses riscos. A situação dos agrotóxicos no meio rural brasileiro, é alarmante e se encontra inteiramente à deriva. Dosagens, prazos de carência e registros não são, regra geral, respeitados. Quando se pesquisam resíduos em produtos colhidos, verifica-se uma alta freqüência de casos positivos, ultrapassando os limites pré-estabelecidos.

Algumas questões pertinentes, a nosso juízo, deveriam ser priorizadas. Por exemplo: sobre a propalada “dose diária aceitável”. Tendo em vista o uso corriqueiro das “misturas de tanque” e sua crescente adoção para “resolver” problemas culturais, como estabelecer essa tal DDA? Deve a mesma ser estipulada por componente (p.a.) ou deve considerar o somatório deles e possíveis combinações e sinergismos? Note-se que as “misturas de tanque”, por iniciativa do IBAMA, sofreram recentemente embargos e restrições mediante legislação emanada do Ministério da Saúde. E quanto a substâncias com potencial cancerígeno já assinalado? Qual a unidade de referência: ppm, ppb, ou molécula? Qual o nível de tolerância nesses casos; diferente de zero???

Com referência aos registros de agrotóxicos para as inúmeras culturas, que critérios são realmente adotados e obedecidos no Brasil? Há necessidade de experimentação regional, incluindo análises de resíduos em produtos tratados e no meio ambiente? Ou parâmetros do estrangeiro podem ser extrapolados sem maiores exigências? Quem se responsabiliza e fornece os dados experimentais e onde são divulgados os resultados das pesquisas, com os respectivos laudos laboratoriais? Quem confere a metodologia selecionada para esses testes?.....É tudo sigiloso?

Questões cruciais como essas deveriam ser debatidas assídua e abertamente, com total transparência e máxima representatividade. Isto nos remete ao seguinte: qual a estratégia para o “desmonte” do gigantesco império dos agrotóxicos em nosso país? Como minimizar o problema, em tempo hábil? Esperar, bem-comportada e pacientemente, que a agricultura orgânica se eleve à condição de um grande e pujante agronegócio, substituindo de forma integral ou, pelo menos, significativa o modelo agroquímico convencional? Quantas décadas? Quantos males até lá? Iniciar, o quanto antes, um movimento organizado em nível nacional, com força, prestígio e credibilidade para desvendar, dentre outros, esses “mistérios” apontados e cobrar políticas públicas? Por exemplo: ressuscitar e pôr em prática a Lei dos Agrotóxicos (uma das mais avançadas do planeta) e o Receituário Agronômico? Será este um sonho irrealizável?

Comida e veneno são incompatíveis! Os agrotóxicos terão que ser, cedo ou tarde, banidos e retirados do comércio. No entanto, o sucesso de um programa de transição ou conversão, até que essa meta final seja esperançosamente alcançada, dependerá da união de esforços e, sobretudo, da capacidade de organizar e conduzir o movimento. As atividades e ações no país estão pulverizadas. É humanamente impossível acompanhá-las. O intercâmbio é inexpressivo, mas o número de adesões é grande e muito estimulante. A nosso ver, o momento é oportuno para a criação de uma Sociedade Brasileira de Agroecologia. Uma proposta democrática, reunindo os vários segmentos interessados da sociedade civil e com o compromisso de um abrangente campo de atuação. Organizar congressos pelo Brasil afora? Sim. Publicar uma revista técnico-científica indexada? Também sim; mas não somente.

Instituir, por exemplo, comitês de composição paritária, encarregados de estudar, investigar e propor medidas tecnicamente abalizadas, capazes de provocar transformações e impactos, mobilizar a opinião pública e, dessa maneira, concretamente defender trabalhadores rurais, agricultores familiares, consumidores e a própria qualidade de vida na roça e nas cidades.

Em alguns pontos do Brasil o governo local começa finalmente a preocupar cada vez mais intensamente com a questão dos orgânicos. É o caso do Paraná. O governo do Paraná aguarda o aval do governo federal para implantar em 2005 o projeto Orgânicos do Paraná, um programa já apresentado à Agência de Promoção das Exportações do Brasil (Apex) e que vai ampliar a produção de alimentos livres de agrotóxicos no Estado. De acordo com o governador Roberto Requião, o Paraná é um dos Estados com maior potencial para a produção e exportação de alimentos orgânicos. O programa prevê, entre outras ações, a realização de seminários e workshops voltados à melhoria e ao desenvolvimento de novos produtos e tecnologia especial para a produção orgânica (GloboRural, 2004). Por que isto não ocorre em nível nacional?!
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Atenção: Saiba mais sobre o trabalho e atividades do Dr. Imar Crisógno em www.soybean.com.br

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